[addAdSense]Denominado pelos chineses “Ryu Kyu”, estente-se, por mais de 800 km, um vasto grupo de ilhas desde o promontório de Kagoshima (extremo sul do Japão) até a ilha de Taiwan (Formosa).
Do centro dessa grande cadeia de ilhas, de vários tamanhos, esparsas como poeira salpicando o mar, entre os arquipélagos menores de Yaeyama e Miyato, destaca-se Okinawa com seus 1.500 Km2, ocupando, sozinha, 53% da superfície do Ryu Kyu.
“Oki”: oceano ou grande, e “nawa”: cadeia, corrente ou corda — em japonês —, essa ilha tem uma centena de quilómetros de comprimento para uma largura que vai de 30 a apenas 4 quilômetros — quando se pode ver o mar da China a oeste e o Oceano Pacífico a leste. Seu aspecto é realmente o de uma corda nodosa e flutuante.
Ao norte, montanhas verdes e rugosas ou vulcânicas, belas encostas de corais franjeados, baias de águas límpidas e praias de areia branca queimando ao sol. Ao sul, na parte mais baixa, campos de arroz, culturas de bananeiras, cana-de-açúcar e ananás. Por todo o litoral pequenos portos de pesca e velhas aldeias cujas telhas vermelhas reluzem à forte luz do dia.
É enganosa a tranquilidade aparente do local: se o inverno é ameno, o verão é tórrido devido às chuvas trazidas pelo monção (vento típico e periódico do sul e sudeste asiático) quase sempre acompanhadas por devastadores tufões.
A vida em Okinawa sempre foi rude. Para se adaptar ao meio naturalmente hostil e extrair seu alimento de um solo fino e impróprio à cultura, o habitante de Okinawa precisou forjar a vontade, a tenacidade e a engenhosidade — qualidades que teria que ter ainda em dobro face a sucessivos invasores que pretendiam subjugá-lo a todo custo.
O instinto de sobrevivência faria surgirem recursos de resistência, técnicas de combate a mãos nuas (ancestrais do Karatê) ou com armas improvisadas (ancestrais do Ko-Budo — sai, bo, nunchaku, kama, tonfa, chimbe, tekko…). Pescadores e agricultores de índole talvez pacífica conheceram uma história tumultuada sobretudo pela opressão dos poderosos chineses e japoneses. Pela preservação da própria individualidade e hostis a toda tentativa de integração, geração após geração acabaram por forjar a alma do povo okinawense, como uma segunda natureza.
Hoje ainda, embora território do Japão, Okinawa se sente muito diferente do território metropolitano. Foi somente no inicio deste século que os okinawenses aceitaram enfim desvendar suas múltiplas técnicas marciais, tão ricas em formas de auto-defesa, aos “estrangeiros” do Sol Nascente. Velhos mestres de Okinawa passaram a ter, entre seus discípulos, praticantes japoneses. Ainda assim, boa parte do estilo de combate nativo a mãos nuas ou com armas criadas pela necessidade estará fadada a desaparecer com os últimos antigos mestres.
De todas as etnias sucessivas que vieram se fundir em Okinawa, o elemento puramente japonês foi provavelmente o último, introduzido a partir do século 14 — época em que a casta militar nipônica pretendia subjugar a ilha.
A situação geográfica de Okinawa fez com que o local sofresse, em todas as épocas, a influência de uma grande variedade de culturas, por entre as de seus vizinhos mais possantes: China e Japão. Rota de encontro do comércio chinês, japonês, filipino ou malásio; ponto de escala e objeto de cobiça dos navios piratas vindos de todos os horizontes; entrada estratégica de toda a região adjacente, Okinawa acumulou, por muito tempo — aliada a seu sofrimento de resistência — toda uma bagagem cul¬tural e artística rica e fecunda.
Até o século 13 pouco se sabe sobre a história de Okinawa. A ilha encontrava-se virtualmente retalhada por clãs rivais que se enfrentavam continuamente. A figura de Shunten (ou Sonton) — Senhor de Urasoe — emerge como o provável primeiro rei de Okinawa e que construiu um sistema de defesa fortifica-do do qual ainda restam vestígios. Esse fato histórico marca o início da ascenção de uma classe guerreira autóctone que iria se firmando e se individualizando.
No século 14, relações comerciais se-guidas estabeleceram-se com a China, a Coréia, o Japão e, mais além, com Java e Sumatra.
Sabe-se que em 1372, o rei okinawense Satto prestou voto de obediência ao Império chinês Ming (1368 — 1644) ao qual passou a pagar tributo. Em 1429, a ilha foi unificaria pelo rei Sho Hashu que, pela primeira vez, soube reunir as velhas províncias de Chuzan, Hokuzan e Nanzan. Era a época em que as grandes aldeias de Naha e de Shuri se tomavam cidades comerciais prósperas, entrepostos de todos os produtos do sudeste asiático e onde acotovelavam-se japoneses, chineses, indianos, malásios, thais e arábes. É também nessa época que a China da Dinastia Ming enviou para a ilha importante grupo de artesãos e artistas — mencionados em antigos documentos, como “As 36 Famílias”. Entre esses chineses, sem dúvida, encontravam-se indivíduos que tinham conhecimentos das técnicas do Boxe Chinês: são os primeiros vestígios de Shaolim Zu Kempo ou Chuam-fa “importado” por Okinawa. Mas nada permite afirmar que essa arte tenha oficialmente sido introduzida na ilha por verdadeiros mestres. Esse primeiro impacto, ainda superficial, deu-se provavelmente na pequena cidade de Kumemura onde estava instalada a parte essencial do grupo de imigrantes chineses.
Enfim, uma quarta cidade, Tomari, passou a crescer e mais tarde viria a se constituir no centro de um estilo próprio de Karate. (nota: Shuri e Tomari estão hoje incorporadas à cidade de Naha).
Fonte: Revista Combat Sport n.18 – 1993